Em entrevista a Eduardo Lemos, Dani Ribas fala para a UBC – União Brasileira de Compositores.
Confira abaixo a entrevista completa de Dani:
Eduardo Lemos: O que você vê como tendência(s) irreversível(is) para o mercado da música em 2021?
Dani Ribas: O momento sem precedentes traz diversas tendências em muitos aspectos, e é impossível acompanhar todas. As que eu mais observei dizem respeito dizem respeito às dinâmicas de público, já que é um tema com o qual trabalho há bastante tempo. A impossibilidade de realização de shows presenciais colocou em evidência quão importante é o público presencial não apenas para a bilheteria, mas principalmente para a legitimação artística e para o funcionamento do ecossistema digital. Acho que em 2020 muitos artistas perceberam a dificuldade de mobilizar a atenção do público no ambiente digital. O que os especialistas chamam de “Economia da Atenção” já era uma realidade antes mesmo da pandemia, mas em 2020 muitos artistas sentiram na pele seus efeitos. O principal deles: não basta divulgar o trabalho, é necessário se relacionar com o público (o que é muito diferente de chamar a atenção dele, que é a prática mais recorrente no mercado musical). Então eu vejo como tendência a busca por métodos que vão além dessa lógica de apenas chamar a atenção do público. Um exemplo é o que a Sony fez recentemente, um hackaton para impulsionar o crescimento do consumo de música no Brasil. E para esse crescimento, um dos pilares é ajudar artistas a expandir seu alcance para novos públicos. Claro que a gravadora pode investir em marketing para ampliar o alcance (e eles gastam bastante com isso), mas a relação com o público é algo que só o artista pode manter, e a Sony quer dar possibilidades para o artista fazer isso de uma maneira mais qualificada. Ou seja, não é apenas o artista independente que sente essa necessidade. As majors tambpem sabem que esse é o ponto nevrálgico do sistema todo. Então por isso eu vejo as novas formas de relacionamento com o público como uma tendência. Infelizmente o mercado conta com poucos métodos e recursos para isso, e essa parte acaba sendo “terceirizada” para o marketing digital. Marketing é uma parte importante, mas uma relação genuína com o público envolve muito mais.
EL: Como você projeta o cenário para os streamings, que estão se estabelecendo como a principal plataforma de escuta (e de lucros para gravadoras e grandes artistas)?
DR: Eu estudo o mercado digital diariamente, e na minha opinião o debate sobre “se o streaming veio para ficar ou não” já passou, mas o tempo de experimentar maneiras de tornar o streaming mais justo para todos está apenas começando. Há muito ainda o que se discutir, desde modelos de remuneração (pro-rata X user centric), até a economia política do setor em nível global. Recentemente escrevi um texto sobre isso. Lá eu discuto eventuais impactos do impulsionamento de músicas pela própria plataforma do Spotify (que se chama Modo Descoberta), entre outras questões. E além dos pontos que levantei no texto, eu vejo que os artistas reclamam dos pagamentos que recebem do Spotify mas não enquadram corretamente o problema, pois veem as plataformas como únicos responsáveis pelos baixos rendimentos. É necessário olhar para a distribuição dentre todos os agentes dessa cadeia. As gravadoras (e selos) muitas vezes recebem a maior parte desse dinheiro, contudo a narrativa geral até agora tem sido contra as plataformas apenas. No Reino Unido está acontecendo neste momento uma consulta pública para ouvir todas as partes envolvidas, e estou ansiosa para saber os resultados dessa trabalho. Essa preocupação das autoridades com a indústria da música é fundamental para uma melhor regulação do setor. E na minha opinião, para o streaming funcionar melhor para artistas há três frentes complementares que precisam ser pensadas: 1. construção de base de fãs (que não se restringe apenas ao marketing); 2. percentuais melhores distribuídos entre os diversos detentores dos diversos tipos de direitos (gravadoras e selos ficam com 58%, e isso força todo o sistema para que a menor parte – apenas 12% – fique com compositores, entidades autorais e editoras); e 3. rever a maneira como os serviços de streaming fazem a curadoria de música. Pois como argumentei no texto, o sistema recomenda os que já são mais ouvidos, e portanto o modelo de negócio do Spotify é intrinsicamente ligado ao sistema de recomendação. Por que, por exemplo, artistas não poderiam recomendar outros artistas para sua base de fãs? Enfim, o assunto está só começando. E para que isso seja um debate amplo, é necessária a qualificação do mercado musical. Sou uma trabalhadora incansável nessa área.
EL: Pegando como gancho um dos teus cursos mais legais, o de Estratégias de Carreira na Music Rio Academy, quais são os novos comportamentos de público que podem se estabelecer no horizonte deste ano?
DR: Há os comportamentos mais globais/estruturais em função das novas dinâmicas impostas pela pandemia, e há as tendências dos públicos de nicho. É um assunto complexo que não se resume a fórmulas. Mas grosso modo, podemos falar que durante a pandemia, as pessoas puderam gastar o tempo que antes era ocupado pelo deslocamento físico com entretenimento digital, incluindo música. Mas com o retorno gradual das atividades presenciais, a disputa pela atenção, que já era acirrada, vai se intensificar, o que torna o cenário ainda mais cruel para artistas com pouco alcance. Claro que o público já está mais acostumado com o entretenimento on-line, e acho que isso permanecerá (há quem diga que é muito mais cômodo assistir a uma apresentação ao vivo no conforto do sofá de casa). Mas o dado estrutural é que vivemos nessa economia da atenção e ela vai se intensificar. Então, se o contexto mudou radicalmente, é necessário pensar em novas formas de relacionamento com o público que vão além dessa captura da atenção (que é efêmera) feita pelo marketing digital. Ele é necessário mas não é suficiente. É necessário fazer as redes trabalharem para você, e não o contrário. É necessário ter consciência dos atributos de identidade artística e fazer uma profunda reflexão sobre os processos criativos para não cair no jogo do volume e velocidade imposto pelo marketing digital feito nas redes sociais. É necessário pensar estrategicamente quais dos atributos de identidade artística serão compartilhados nas músicas e redes. É necessário colher e sistematizar (com método, e não de maneira aleatória) as informações qualitativas sobre a audiência, e não apenas chamar a atenção dela. É necessário mergulhar nas ideias musicais do nicho para entender quais elementos são relevantes no diálogo com o público. Estas são as entregas do meu método de trabalho, que foge da lógica da economia da atenção e ensina a pensar de uma nova maneira, sem aprisionar o artista no mundo da produção de conteúdo por obrigação.
Confira a matéria no site da UBC.