Domingo dia 20/05/2018 às 14h30 Dani Ribas da Sonar Cultural representou a SIM São Paulo no Festival Path, na mesa “Ascensão da música latina no Brasil e porque isso está acontecendo agora“, junto com Hernan Halak (do Festival MUCHO!) e o músico cubano Pedro Bandera. A curadoria das palestras foi de Juli Baldi (da Bananas Music Branding).
Dani Ribas apresentou alguns números do streaming para mostrar porque o interesse pela América Latina não é apenas um fenômeno cultural, mas também um movimento do mercado que coloca o continente no centro das atenções da indústria mundial. Entenda:
O Streaming como principal fonte de receitas da Indústria Fonográfica
É sabida a crise da indústria fonográfica desde 2001, ligada principalmente à diversificação de formatos e tecnologias e à incapacidade de adaptação ao novo cenário por parte da indústria.
Em 2013 o mercado europeu de música gravada (vendas físicas e receitas digitais combinadas) apresentou crescimento pela primeira vez em 12 anos (+0,6%). É nesse ano, 2013, que a indústria começa a se recuperar da crise, graças ao crescimento da modalidade streaming (consumo através de plataformas como Spotify, Deezer e Apple Music).
A plataforma americana de streaming Rdio (em parceria com a operadora de telefonia Oi) se instala no Brasil em 2012, a francesa Deezer no início de 2013, e a sueca Spotify em maio de 2014.
Abaixo mostramos um gráfico que demonstra a evolução da importância do streaming para a indústria da música (que ainda não atingiu os patamares de faturamento de 1999, mas caminha para isso graças ao crescimento do streaming):
O Relatório 2018 da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) demonstra em números o que o mercado da música já sabia: que a modalidade de consumo musical via streaming é em 2017 a principal fonte de receitas da indústria fonográfica em nível mundial, representando 38% do total:
Em 2017, as receitas geradas pelos vários modelos de negócio do setor de música gravada cresceram 8,1% na comparação com 2016, tendo o faturamento global do setor atingido o montante de US$ 17,3 Bilhões. Desse montante, 38% são provenientes do streaming (maior fonte de receitas no momento), 30% das vendas físicas, 16% de formatos digitais exceto streaming, 14% de direitos de execução pública pagos a produtores fonográficos; e 2% de sincronização para uso audiovisual.
O Streaming na América Latina e no Brasil
Mas o mais importante disso é: todas as regiões do globo tiveram crescimento em 2017, mas a América Latina foi a que mais cresceu, apresentando 17,7% de crescimento em relação a 2016. Desde 2013 – ano da retomada da indústria fonográfica mundial após uma década de crise – a América Latina é a região que lidera a expansão do consumo mundial, tanto nas vendas físicas como no consumo por streaming. Em 2017, os Estados Unidos foram o maior mercado, seguido por Japão, Alemanha, Reino Unido e França.
Em 2017 o mercado brasileiro apresentou sua melhor taxa de crescimento: o segmento digital cresceu 46% em relação a 2016, puxado pelo crescimento do streaming (que sozinho cresceu 64% em relação a 2016). O Brasil passa à 9a posição no mercado mundial, sendo o maior mercado na América Latina (região que mais cresceu no mundo: 17,7%).
O total de receitas no Brasil é assim composto em 2017: 55,1% do streaming, 5,3% de outros formatos digitais (downloads e mobile), perfazendo 60,4% em ambiente digital; 34% de execução pública; 5,3% de mercado físico; e 0,3% de sincronização para audiovisual.
Investimentos na América Latina, incluindo Brasil
A importância do mercado latino-americano na expansão do streaming nas receitas globais e a importância do Brasil nesse mercado fizeram com que o Spotify abrisse processo seletivo para a contratação de profissionais para o mercado de música ao vivo na América Latina (veja aqui como foi o processo seletivo).
Além disso, a Live Nation (maior empresa de entretenimento ao vivo do mundo) adquiriu, em maio de 2018, participação majoritária do Rock In Rio, que em 2017 foi o festival com maior bilheteria na América do Sul e o segundo no mundo (700 mil pessoas). (ver notícia no UOL e na Folha)
Então …
É claro que tem muita gente trabalhando há bastante tempo pra aproximar a América Hispânica da Lusófona: a Difusa Fronteira (responsável, por exemplo, pela carreira da banda Francisco, El Hombre que acabou de excursionar pela América Latina), a MMF-Latam (Associação Latinoamericana de Managers Musicais), o Fest Contrapedal (tradicional festival uruguaio que em 2017 realizou sua primeira edição no Brasil), o Festival Mucho!, o Festival Brasileiro de Música de Rua (que, sendo realizado em Caxias do Sul, RS, sempre trouxe artistas de língua espanhola em seu line-up). Os Festivais independentes todos já trabalham há bastante tempo e de maneira consistente nesse tipo de intercâmbio.
Há também iniciativas institucionais, como o Mapa de Residências Artísticas do Mercosul (a Sonar prestou consultoria para o projeto, leia mais aqui), que atuam para a promoção da circulação artística no continente.
Ou seja: sempre houve intercâmbios e iniciativas de aproximação.
Mas o que queremos dizer é que o recente interesse pela música latina no Brasil não é apenas uma aproximação estética entre os “desconhecimentos mútuos” que nos distanciam. Para além disso, o fenômeno é também de mercado.
É o mercado, que somente agora volta os olhos para a América Latina, que faz parecer que esse interesse entre os países de língua espanhola e portuguesa é recente. O mercado coloca uma lupa naquilo que já vinha acontecendo mas não era tão percebido.
Interessa à grande indústria da música que o mercado latino continue crescendo.
Ao incentivar que nós, brasileiros, descubramos os demais mercados latinos, e, por outro lado, ao incentivar que eles também consumam a música brasileira, as plataformas de streaming estão adicionando um segmento de mercado a mais nesses países – e consequentemente forçando a expansão do mercado latino-americano. O sucesso mundial de Despacito (de Luis Fonsi) tem a ver com esse movimento.
Cabe aos profissionais do mercado latino-americano, que sempre batalharam por maior intercâmbio cultural, aproveitar este súbito interesse da indústria fonográfica pela América Latina para consolidar os mercados locais, especialmente os mercados independentes. É necessário aproveitar as oportunidades colocando na mesa da negociação a importância do mercado latino-americano. É necessário fazer coincidir o crescimento da indústria global com a estruturação dos mercados independentes latino-americanos.
Em tempo:
Em notícia publicada dia 20/05/2018 no site Digital Music News, números da Pesquisa Anual de Música e Direitos Autorais do Music & Copyright Blog indicam que em 2017 coletivamente os selos indies são maiores do que qualquer uma das gravadoras majors individualmente (Universal, Sony e Warner). Isso já havia acontecido em 2016.
Dependendo do parâmetro (receitas de vendas físicas, receitas digitais, receitas físicas e digitais combinadas, ou receitas de licenciamento) os números mudam. Mas em todos os cenários os números mostram que os selos indies tomados em conjunto representam um percentual de receitas maior do que a principal gravadora major.
O gráfico abaixo é uma média composta pelos resultados para receitas obtidas com vendas físicas, digitais e de licenciamento:
Ou seja, segundo o critério adotado (receitas totais incluindo todos os tipos de formatos além de licenciamento) selos indies representam 32% do mercado, enquanto a Universal tem 29,9%, Sony 22,3% e Warner 15,8%.
Se consideradas apenas as receitas de publicação e licenciamento das empresas editoras de música, os percentuais crescem: os selos indies ficam com 41,2% das receitas.
Por outro lado, os modelos de negócio dos players de streaming dependem da ampliação da base de assinantes pagos e o número de horas gastas por eles nos aplicativos, ao menos por enquanto (o modelo pode mudar se o Spotify decidir não mais distribuir conteúdo dos selos e gravadoras e investir em conteúdo próprio, como o Netflix). Mas por enquanto, para a ampliação de assinantes e horas gastas acontecerem é necessário que a “entrega” ou o serviço ofertado seja o mais qualificado possível. Por isso é fundamental o investimento em curadoria (via playlist) e em sistemas de recomendações (via rádios geradas por algoritmos a partir dos hábitos do ouvinte), visando a descoberta musical e a ampliação das horas despendidas com música nas plataformas. A concorrência entre os principais players (acirrada pela entrada do Youtube no serviço pago a partir de 22/05/2018) e a busca por vantagem competitiva entre eles deve levar os serviços de streaming a aprimorar ainda mais o serviço ofertado, investindo em mecanismos que façam com que o ouvinte, além de continuar consumindo o que já costuma escutar, descubra cada vez mais músicas diferentes para despender cada vez mais horas nas plataformas. Essa é uma particularidade do modelo streaming em relação à venda de produtos físicos, pois o preço pago pelo serviço independe da quantidade de horas despendidas à escuta musical – o que em tese não causa barreiras econômicas ao consumo. Isso torna as negociações de licenciamento mais fáceis para os selos e artistas independentes, pois os indies são o insumo produtivo desse modelo de negócio baseado na diversidade de produtos oferecidos (consumo pela descoberta), além da regularidade da escuta (consumo de massa). Ou seja: o streaming pode render muito mais do que o aumento das receitas das majors. Ele pode realmente ajudar a estruturar os mercados independentes a partir da necessidade de ampliação constante dos produtos oferecidos.
A interpretação que fazemos é a de que estes números mostram como a popularização e barateamento das tecnologias de gravação desde os anos 1980 possibilitaram que mais músicos lancem seus trabalhos gravados no mercado. Em 2017, após 30 anos do início desse processo, os indies são responsáveis por cerca de 40% dos lançamentos e cerca de 32% das vendas da indústria da música. Contudo, as três majors ainda ditam o que é consumido em massa, pois historicamente dominam os meios de divulgação e distribuição dos produtos (que até pouco tempo demandavam imensas estruturas comerciais e logísticas). A era do streaming, iniciada em 2013, poderia ajudar os mercados independentes a se posicionar de maneira mais consistente diante da hegemonia das majors, já que a demanda e o consumo de música passam a ser feitos de maneira descentralizada sem necessariamente a distribuição das majors, e o modelo de negócio dos players requer a constante ampliação de produtos oferecidos para o aumento das horas despendidas pela descoberta.
Cabe, portanto, aos músicos e demais profissionais do segmento independente se apropriarem de três informações importantes:
- a indústria tem interesse no mercado latino em função do potencial da região no crescimento no consumo;
- o segmento independente está longe de ser inexpressivo no mercado global, representando um terço de todo o mercado;
- as plataformas de streaming dependem dos conteúdos licenciados pelo mercado independente para ampliar o consumo pela descoberta.
Em qualquer negociação que envolva profissionais do mercado independente com players de streaming ou gravadoras majors estas informações devem ser colocadas na mesa, para que os mercados independentes possam usufruir do atual crescimento da indústria global.
O crescimento global da indústria deve subsidiar a estruturação dos mercados independentes, que são responsáveis pela diversidade da produção musical.
Serviço:
Palestra: Ascensão da música latina no Brasil e porque isso está acontecendo agora
Palestrantes: Dani Ribas (Sonar Cultural); Hernan Halak (Festival MUCHO!) e Pedro Bandera.
Quando: 20/05/2018
Horário: 14h30
Onde: Instituto Tomie Ohtake (sala Ballroom 3)
Ingressos aqui.
Maiores informações sobre a palestra aqui https://www.festivalpath.com.br/palestras/#palestra-ascensao-da-musica-latina-no-brasil-e-porque-isso-esta-acontecendo-agora.